quarta-feira, 17 de junho de 2009

Intervenção do Primeiro-Ministro no Parlamento

Intervenção do Primeiro-Ministro, José Sócrates Debate da Moção de Censura
17.06.2009



1. A responsabilidade democrática

Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:

A três meses de eleições legislativas, a direita decidiu patrocinar uma moção de censura ao Governo. Esta iniciativa é, com certeza, formalmente legítima, mas é uma iniciativa politicamente sem sentido. Em primeiro lugar, é uma iniciativa totalmente inútil e inconsequente: todos sabem que a legislatura está no seu termo e que muito em breve os eleitores serão chamados a pronunciar-se, então sim, sobre o futuro da governação. Em segundo lugar, nem sequer se pode dizer que se destina a suprir uma eventual ausência de debate político: pelo contrário, estava justamente marcado para hoje mais um debate quinzenal, que teve de ser adiado uma semana precisamente por causa desta moção. Verdadeiramente esta iniciativa tem um único mérito: recordarão País a política de truques e de expedientes, em que o CDS se tornou especialista.


Mas o pior é a total falsidade do pressuposto político em que assenta esta moção de censura. Querer retirar dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu conclusões sobre a legitimidade do Governo nacional é pura e simplesmente desrespeitar a democracia. Digamo-lo com todas as letras: é um abuso e uma precipitação transformar eleições europeias em eleições legislativas. E é um abuso que raia a arrogância quando se pretende assumir, em nome do eleitorado, uma legitimidade que o eleitorado manifestamente não conferiu.

Uma coisa é compreender os sinais dos eleitores – e eu estou bem atento a esses sinais. Outra coisa, bem diferente, é instrumentalizar os resultados, pretendendo confundir eleições europeias e eleições legislativas!

Nunca, como hoje, o Parlamento português dispôs de tantos instrumentos de fiscalização política do Governo. E isto graças à iniciativa do Partido Socialista, que usou a sua maioria, não para conferir mais poder ao Governo, não para abusar do poder, mas sim para garantir mais centralidade à Assembleia da República e mais poder e mais direitos à Oposição!

Esta foi a atitude de probidade e responsabilidade democrática que sempre caracterizou, na legislatura, o Governo e a Maioria do PS.

Mas o agendamento desta moção de censura vem apenas acentuar, por contraste, o oportunismo político daqueles que não hesitam em instrumentalizar, de forma inconsequente, as figuras regimentais do Parlamento penas para obter ganhos mediáticos de ocasião.

Os Portugueses registarão esta diferença de atitudes. Do lado do Governo, total concentração no seu trabalho e responsabilidade, que é combater os efeitos da crise económica mundial, promovendo o investimento, o emprego e a protecção das famílias; e prosseguir a agenda reformista e modernizadora, focada nos factores que podem melhorar os indicadores de qualificação e de competitividade. Mas, do lado da Oposição, há uma única motivação, dizer mal do Governo; e há uma única proposta: parar o País!

É isto, no fundo, o que a Oposição propõe: que o Governo deixe de governar, deixe de tomar decisões, deixe de ter iniciativa, e que a administração pública fique paralisada. Ora, é exactamente o contrário aquilo de que o País precisa: o País precisa que se combata a crise, que os investimentos públicos prossigam, que sejam apoiadas as empresas que investem e criam ou mantêm emprego, que as pessoas e famílias em maior dificuldade beneficiem de mais protecção social. O tempo não é de desistir, é de lutar. O tempo não é de dizer mal, é de fazer bem. O tempo não é de parar; pelo contrário, o tempo é de agir!
2. Prosseguir o rumo

Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:

A agenda do Governo é clara, porque se fundamenta na força das convicções.

Nós acreditamos que é nos momentos como este, de grave crise económica internacional, que a acção do Estado é mais necessária. Quando as empresas naturalmente se retraem é que o Estado mais deve investir. Nós acreditamos que é nos momentos de incerteza que os governos devem ser corajosos na tomada de decisões. Recuar, adiar, não decidir é que hipotecaria o futuro, atirando os custos de não fazer nada para a próxima geração. Nós acreditamos que é no momento em que as famílias atingidas pelo drama do desemprego passam especiais dificuldades que o Estado social deve estar mais presente, apoiando mais quem mais precisa.

E foi justamente para isto que trabalhámos, foi para isto que fizemos a consolidação orçamental. Se hoje estamos a apoiar o investimento e a proteger mais as famílias, é porque soubemos pôr, no momento certo, as contas públicas em ordem. Esse, que foi, aliás, um dos maiores falhanços da direita, foi, pelo contrário, um dos principais méritos deste Governo.

O Governo está, pois, empenhado em prosseguir o rumo, um rumo fundado na força das convicções e no nosso compromisso com os Portugueses. Ouvindo as pessoas. Explicando melhor as políticas. Mobilizando as energias de todos. Mas com a atitude de sempre: determinação na acção, defesa do interesse público, sentido das responsabilidades.

Não estamos disponíveis nem para a desistência, nem para a resignação, nem para a paralisia. Não estamos disponíveis para a desculpa fácil do “não é possível”, ou do “é melhor adiar”, ou “é melhor não fazer”. Muito menos estamos disponíveis para pôr em causa o muito que o País já conseguiu, em reformas que eram urgentes, que estavam prometidas há muito - mas que só este Governo e esta Maioria tiveram a coragem de levar a cabo.

Falo, senhores Deputados, da reforma da segurança social, que a tirou da situação de alto risco. Da convergência entre os regimes de pensões da função pública e do sector privado, que promoveu a igualdade entre os trabalhadores. Da modernização da legislação laboral, que combate a precariedade, dinamiza a negociação colectiva e favorece a adaptabilidade das empresas. Da reforma da administração pública e da simplificação e modernização administrativa. Falo da aposta nas energias renováveis, da reforma dos cuidados de saúde e da política do medicamento, da reforma na educação.

Qualificação, sustentabilidade do Estado social, consolidação orçamental, tecnologia, energia: é assim que se constrói um Portugal melhor, é assim que se prepara o futuro.

Falo ainda, senhores Deputados, dos novos passos que o País deu, em direcção à igualdade de oportunidades e à coesão social. Falo de novos direitos sociais. Das novas medidas sociais, para as quais canalizámos todas as margens de manobra orçamental que fomos conquistando.

Há pelos vistos quem pretenda censurar o Governo que lançou o Complemento Solidário para Idosos, as unidades de saúde familiar, a rede de cuidados continuados, o programa Novas Oportunidades, o computador Magalhães. Há quem queira censurar o Governo que criou o abono pré-natal e os empréstimos para o ensino superior; o Governo que assegurou a gratuitidade dos medicamentos genéricos para os pensionistas de mais baixos rendimentos. Querem censurar o Governo que mais do que duplicou o número de beneficiários da acção social escolar; o Governo que garantiu a escola a tempo inteiro e a colocação plurianual dos professores, que alargou a licença de parentalidade ou que pôs em marcha o maior investimento de sempre em creches e lares. Também já houve quem achasse que o aumento do salário mínimo era uma irresponsabilidade. Pois eu digo que irresponsáveis são aqueles que querem que o Estado recue na protecção social e revelam uma tão gritante insensibilidade face aos problemas reais dos Portugueses.

Por isso digo que há, sim, uma censura política a fazer.

Essa censura dirige-se àqueles que, à direita, escondem mal o seu programa de enfraquecimento do Estado social, cuja doutrina é o recuo das funções sociais do Estado e a privatização da segurança social, e que nada mais têm a propor, na crise actual, senão parar o investimento público. Mas censura também, porque o que esta direita oferece ao País não é o que o País quer - a discussão séria sobre os problemas nacionais - mas aquilo que o País bem dispensaria, mas toda a gente vê: a criação artificial de incidentes parlamentares, que visam apenas disputar protagonismos na liderança da direita.


3.Combater a crise, servir o País

Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:

A hora é de responsabilidade e competência, não é de tacticismos fáceis. A hora é de determinação, não é de hesitações nem de desistências. Quero dizê-lo sem nenhuma ambiguidade, olhos nos olhos dos Portugueses.

Compreendo, com humildade democrática, os sinais de insatisfação e dúvida. Procuro interpretá-los e corresponder-lhes. Tenho bem a consciência de que as medidas difíceis que tivemos de tomar, para vencer a crise orçamental, e a necessidade que tivemos de fazer tantas reformas em tão pouco tempo, terão provocado, em certos sectores, algumas feridas e descontentamentos. Sei também que os efeitos da crise económica mundial trouxeram dificuldades adicionais às famílias e às empresas, prolongando um tempo de exigência e diminuindo a visibilidade dos progressos que o País, de facto, alcançou.

Interpreto os sinais de insatisfação sobretudo como um apelo a fazermos mais e melhor – é esse o nosso compromisso. Mas não subordinarei a nenhum interesse táctico e circunstancial de última hora a minha responsabilidade, como primeiro-ministro de Portugal. Os tempos difíceis requerem um rumo certo, uma autoridade clara e o empenhamento na acção. Exigem exactamente o contrário da resignação e da desistência – exigem vontade e exigem determinação.

O Governo definiu, em consonância com a União Europeia, uma linha política de combate à crise. Essa linha assenta em quatro pilares fundamentais. O primeiro foi a estabilização do sistema financeiro e a retoma do financiamento à economia. O segundo é promoção do investimento público. O terceiro é o apoio às empresas e à defesa do emprego. O quarto é a protecção das famílias e dos grupos mais vulneráveis.

As medidas estão em execução. A intervenção conjugada a nível europeu favoreceu a descida das taxas de juro, de que beneficiam hoje centenas de milhar de famílias com empréstimos bancários à habitação. Os fluxos de crédito tendem a ser repostos, e hoje cerca de 30 mil empresas acedem a linhas de crédito bonificadas. Foram lançados programas de investimento em áreas-chave para o futuro do nosso País, na eficiência energética e nas energias renováveis, nas redes de banda larga, na agricultura, nos equipamentos sociais, nos centros escolares e nas escolas secundárias. Dezenas de milhar de empresas e centenas de milhar de trabalhadores beneficiam das medidas de apoio à manutenção de emprego. Dezenas de milhar de jovens beneficiam de estágios profissionais e de incentivos à contratação. As instituições que recrutam pessoas estão também a ser fortemente apoiadas pelo Estado.

Estas são as iniciativas que o momento exige. Combate à crise, apoio ao investimento e ao emprego, protecção às famílias. Não é, senhores Deputados, o tempo de desprestigiar a democracia com expedientes sem sentido. Nem é tempo de brincar aos truques políticos.

Para o Governo, é tempo de trabalhar. É tempo de concentrar todos os esforços na recuperação economia e na protecção social. Este é o tempo de servir, com dedicação e competência, Portugal. Este é o tempo de dar aos Portugueses razões de esperança num futuro melhor.

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